Serão as emoções um bem perecível e, como tal, possuirão elas um prazo de validade? Será que uma vez removido para o passado o facto que a elas deu origem, ficamos sem razão para reagir quando dele nos lembramos? Será mesmo assim tão fácil passar uma borracha por cima do que nos aconteceu, não uma carteira que se perde, não um electroméstico avariado, não um corte de cabelo mal sucedido, mas um daqueles acontecimentos que nos deixa a vida revirada a tal ponto que durante muito tempo já não sabemos quem somos?
Se é certo que o tempo ajuda a suavizar a dor, dizem, pelo menos a senti-la de outra forma, menos presente, menos profunda, não é menos certo que quando deixamos de ser quem éramos e nos tornamos noutra pessoa, quando descobrimos em nós um novo eu, que integra o antigo eu, mas dele difere, a emoção reaparece no recordar de momentos, de pedaços de vida daquele que fomos. Saudades? Sim, muitas, à mistura com a certeza de que não é possível refazer o passado nem queremos fazê-lo.
Como é que deixamos de sentir aquela mágoa que foi tão nossa, mesmo aceitando o que nos aconteceu, mesmo andando em frente? Como é que apagamos aqueles instantes e a perda de uma parte de nós? Lembramos uma dor de dentes, o escaldão naquele primeiro dia de praia, o pastel de feijão que nos provocou uma...«catarse intestinal», e não lembramos os dias em que a nossa vida nos foi arrancada assim, de uma só vez, sem aviso prévio, nem entrega de indemnização?
Será possível cumprir com o coração a data de fim de consumo aconselhável? E será que esse prazo existe mesmo? E será ele igual para todos nós?
Aceitar não significa esquecer, não significa deixar de sentir, significa isso sim, o continuar a caminhar, apesar do coração apertado, dos medos, do refazer de projectos, do não saber o que sonhar. E, como tal, aceitar significa que doeu muito e que da próxima vez que lembrarmos o raio que nos fulminou, vai continuar a doer, talvez depois um pouquinho menos, talvez com o passado a invadir-nos de modo cada vez mais espaçado, talvez hoje só um aperto cá dentro e já não o dilúvio lacrimal de outrora...mas eu continuo a sentir, a sofrer, a rir, a sonhar, a desesperar, a perseverar, como dantes...mesmo se já não é exactamente como dantes!
Nós, que ouvimos também com os olhos!
Mais sobre a Síndrome de Cogan
'Bora espreitar?
7 dias 7 noites na vida de uma borboleta A
Sou uma Cyborg - Ouvido implantado
Olhos que ouvem, mãos que falam
Bússola
Fóruns