Sexta-feira, 22 de Junho de 2007

Blog

Mantivera no fim da adolescência
aquilo a que chamava simplesmente
o seu diário íntimo:
páginas manuscritas onde ardiam
rastilhos de mil sonhos que rasgavam
as mordaças da angústia social,
a timidez tão própria da idade.
 
Nessa caligrafia cuja cor
fora ainda a do sangue
colheu a energia necessária
pra atravessar como um sonâmbulo
o ordálio daquela juventude,
o seu incandescente calendário
de amizades vorazes, tão velozes
como os amores que julgava eternos
e outras feridas mal cauterizadas.
 
Hoje quase não volta a essas páginas:
estamos no século XXI
e em vez do diário de outros tempos
mantém agora um blog
onde todos os dias extravasa
recados, atitudes, confissões,
coisas no fundo tão inofensivas
como o fogo que outrora lhe acendia
as frases lancinantes
- embora hoje em dia quando escreve
tenha por um momento a ilusão
de que as suas palavras continuam
a propagar ainda o mesmo vírus,
e a alimentar, quam sabe, os mesmos
sonhos
sempre que alguém desconhecido as ler
como quem só assim então escutasse
um segredo na noite do mundo.
 
Mas, apesar de todo o entusiasmo
que o mantém acordado por noites sem fim,
ele adivinha que também virá
um dia a abandonar sem saber como
o seu actual vício solitário
e dentro de alguns anos, ao reler
as frases arquivadas no computador,
talvez tudo isso lhe pareça então
fruto de gestos tão adolescentes
como os que antigamente preenchiam
esses cadernos amarelecidos
e hoje sepultados para sempre
em esquecidas gavetas de outro século.
 
Fernando Pinto do Amaral, Pena Suspensa
 
 
Esclarecimentos:
  1. Não, não ganho nenhuma comissão por divulgar poesia portuguesa.
  2. Não, não quero armar-me em intelectual, «postando» poesia ou excertos de qualquer outro tipo de literatura (prova: fui ao dicionário ver o significado de "ordálio": «prova jurídica chamada também Juízo de Deus, usada na Idade Média, e que consistia em o acusado se submeter a torturas físicas que provariam a sua inocência, caso não lhe causassem dano» - só uma questão: terá havido algum acusado considerado inocente?
  3. Não, não fiz nenhuma promessa de «postar» dia sim, dia não (ou dia sim, dia sim!) os poemas que leio.
  4. Sim, gosto de ler poesia (... e não só). E como os ouvidos nem sempre me permitem ouvir música (já raramente e só música conhecida), ou ouvir programas de televisão (abençoado país em que há legendas nas séries e nos filmes, em vez de dobragens!) ou até conversar ao mesmo tempo com mais do que uma pessoa,dedico à leitura muito do meu tempo. Sempre gostei de ler, agora agradeço por isso.Lamento apenas o preço exorbitante dos livros pois, para além de ler, também há prazer no acto de possuir um livro (abençoados família e amigos pelo empréstimo, obrigada às Bibliotecas Municipais - em tempos de crise há que deitar mãos a todos os recursos).
  5. Sim, muitas vezes encontro poemas, frases, provérbios, máximas que exprimem exactamente o que sinto no momento em que os leio. E alegra-me pensar que as emoções não são propriedade de ninguém e que já alguém sentiu aquilo que vivencio.
  6. Sim, gosto de partilhar  os poemas e as frases  que me agradam.
  7. Sim, tenho uma inveja imensa de quem escreve poesia assim! Gostaria de me exprimir deste modo, mas penso que só os talentosos e trabalhadores (talento sem trabalho não serve para nada e vice-versa!) o conseguem e não ouso sequer arriscar a ideia de que posso escrever poesia, pois não me considero nem com talento para tal nem suficientemente persistente.
  8. Não, nunca tive um diário nem quando adolescente.
  9. Sim, «extravaso» aqui aquilo que me percorre o sentir e o pensamento, aquilo que leio e me toca, as minhas dúvidas e tanto mais.
  10. Sim ou não? - não sei se virei a achar infantis estes «posts» e até a ideia de manter um blog, nem isso me preocupa agora. Para já, tem-me sabido bem poder fazê-lo e, com isso, tentar exorcizar alguns dos meus demónios diários desta «era pós-Cogan», para além de tentar divulgar informações sobre  esta doença. O resto se verá!
Rabiscado por... misal às 20:40
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