Quarta-feira, 12 de Novembro de 2008

A BOTA E A PERDIGOTA

Afastada deste cantinho já há quase uma semana, porque o trabalho começou a apertar, nem por isso deixo de ser quem era antes de o Síndrome de Cogan me virar a vida pessoal e profissional do avesso, e de sentir e tomar como minhas as dores dos meus colegas, ainda que não possa fisicamente estar com eles.

 

Por necessidade de me resguardar a nível pessoal, para evitar o malvado do stress, inimigo das doenças auto-imunes, tenho acompanhado apenas de longe toda a polémica que envolve o «actual» estado do Ensino em Portugal e que os meios de comunicação têm erradamente reduzido à avaliação dos professores e ao regime de faltas dos alunos (por falta de investigação suficiente, quero crer, uma vez que  nem me atrevo a pensar que o motivo possa ser de outra natureza!) .

 

Com efeito, o que está em jogo e desde há muito mais tempo, desde antes de ter de me afastar da minha actividade profissional em 2006, é muito mais que isso e nem tem a ver com o ser avaliado ou não ser avaliado - como em todas as profissões, há no Ensino profissionais competentes, outros que se esforçam por sê-lo e outros que «vão empurrando o trabalho com a barriga» para chegarem ao fim do mês e receberem o ordenado; como em todas as profissões, há professores por «vocação», outros por acaso mas que descobrem ser o acaso o caminho certo para eles (foi um pouco a minha situação), outros ainda que apesar de não gostarem do que fazem, não podem ou não querem mudar de emprego.

 

O motivo mais óbvio para a contestação actual dos professores, para quem não conhece bem a realidade das escolas é a avaliação; este modelo de avaliação é, contudo, apenas a gota de água que fez transbordar a paciência de quem, ultimamente, tem de roubar horas ao sono nocturno para poder fazer aquilo que é uma das componentes do seu trabalho: preparar as aulas; a outra, é dá-las e isso ainda vai acontecendo de forma regular, embora qualquer mente menos avisada possa prever que em breve isso poderá não acontecer - às vezes, muitas vezes, o corpo não colabora, sobretudo se o esforço físico e emocional a que está sujeito não encontra respostas satisfatórias em troca.

 

Não se julgue que falo aqui de aumentos de vencimento (embora a questão até seja pertinente!), nem da atribuição de uma qualquer medalha de «professor» do ano ou do século! Falo tão somente de comentários como aquele que uma ex-aluna fez, quando soube que não podia voltar a dar aulas, e que me tocou profundamente: «que aborrecido, professora! É que quando se gosta do que se faz e não se pode continuar...». E não foi apenas o «elogio» o que me comoveu, mas saber que aquela (ex-)aluna, pelo menos aquela, das centenas que tive ao longo de 20 anos, percebeu que eu punha muito de mim naquilo que fazia, que levava a sério o trabalho e aqueles com quem trabalhava. Se em cada ano que passa o professor conseguir chegar a 2, 3, meia dúzia de alunos, o ano está ganho!

 

Por isso me chocam os comentários da suposta manipulação, por parte dos sindicatos, de 120.000 professores. Será possível manipular por duas vezes num mesmo ano tantos milhares de professores? E se tal fosse possível, não seria uma atitude inteligente, por parte de quem faz tais afirmações, tentar conseguir manipular também esses  tais 120.000 professores e levá-los a fazer tudo o que querem implementar no Ensino? Já que, supostamente, os professores são tão ingénuos, por que motivo não lhes acenam com uma cenoura que depois evitariam dar?  E, já agora, se 120.000 professores são tão pouco inteligentes, o que estão eles a fazer nas escolas com as crianças e jovens deste país? Não será um risco demasiado grande confiar a gente tão pouco competente «os destinos do país»? Afinal, em que ficamos? Alvos de manipulação, chantagistas, ignorantes... ah, e obviamente,  tambémcom capacidade para  manipular os alunos que protestam, já agora!

 

Sou eu que sou mesmo ignorante e manipulável, tal como os meus 120.000 colegas, será da doença («'bora informar os médicos de um novo sintoma da «minha» doença rara) ou será que «a bota não bate com a perdigota»?

 

 

Chique Buarque, Gota d'água

 

 

Já lhe dei meu corpo, minha alegria,
Já estanquei meu sangue, quando fervia,
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta, pro desfecho da festa
Por favor
Deixa em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não,
Pode ser a gota d'agua,
Deixa em paz meu coração,
Que ele é um pote até aqui de mágoa,
E qualquer desatenção, faça não,
Pode ser a gota d'agua !
Já lhe dei meu corpo, minha alegria,
Já estanquei meu sangue, quando fervia,
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta, pro desfecho da festa
Deixa em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não,
Pode ser a gota d'agua!
 

 

 

 

Tou...: solidária com os 120.000!
Rabiscado por... misal às 19:02
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4 comentários:
De AMar a 13 de Novembro de 2008 às 00:03
Espectacular, a tua análise/desabafo!
Não seria, aliás, de esperar outra coisa, vindo de ti.
Quando é que para além desta "antena" começas a ter uma coluninha num jornal?
Palavra de honra que acho uma pena ficares "só" por aqui nesta tua casa!
Bjinhos .
Tou sempre à coca para te ler!
De misal a 13 de Novembro de 2008 às 10:10
Ó «munher», não me ponhas a babar, ainda por cima sendo tu tão suspeita a dar palpites nesta situação!!!

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