Não me perguntem a relação desta frase de Mafalda Ribeiro (in mafaldisses) que serve de título a este post com o conteúdo do mesmo, porque ainda não sei!
Sei apenas que é uma das muitas frases deste livro que sublinhei, porque gostei delas, umas porque me tocaram particularmente, pela sua beleza, outras pelo despertar das emoções ou do arrepio da pele ao lê-las. Algumas têm a ver com a minha vida pessoal enquanto deficiente auditiva, outras cativaram-me porque me indicam caminhos seguidos por alguém que faz da sua doença uma característica que lhe é inerente e que lhe possibilitou voos e ousadias impensáveis numa pessoa dita normal, alguém que não tem medo de se mostrar como é, de assumir as suas limitações mas também o seu desejo de esticar os limites para além do aparentemente possível, alguém que sabe ser feliz com aquilo que a vida lhe deu e ser ela própria, sem complexos, sem culpas, sem frustrações e com alegria e crença na felicidade...
Não é fácil a descoberta e aceitação das nossas diferenças em relação aos outros, mas sobretudo perante nós mesmos; não é fácil ser-se diferente da maior parte dos que nos rodeiam e tentar encontrar o nosso lugar no mundo; não é fácil recomeçar não do zero mas de um ponto doloroso que apagou uma parte da nossa vida e nos obrigou a reconstruirmo-nos por dentro, por fora, na vida pessoal, na parte profissional, no olhar que os outros tinham sobre nós, a imagem que passávamos de nós e aquela que víamos dentro de nós; não é fácil reconhecer os «nunca mais...» que nos tolhem a imaginação e a esperança; não é fácil libertarmo-nos dos preconceitos que nós próprios criámos sobre as limitações que passam também a ser nossas; não é fácil a descoberta de que tal como alguns outros, também nós já não pertencemos a determinado mundo, ou estamos num lugar de transição entre mundos...ou ainda não sabemos aonde estamos, a que realidade criamos amarras; não é fácil o recomeçar da construção de rotinas de x em x meses, sem saber o que nos espera ali mesmo ao virar da esquina, agora que aquela segurança que sentíamos no repetir de rituais e acções desapareceu; não é fácil perceber o que ficou de nós depois do terramoto que nos mudou para sempre e que arrancou uma parte de nós; não é fácil subir ao trapézio sem saber o que acontecerá se as nossas forças não chegarem; não é fácil ser portador de uma deficiência e de uma doença crónica e ter olhares sobre nós, pesquisando sinais de mudança no ser que conheciam, para posteriores exclamações de dó, ou pena... ou descrença quanto às ditas doença e deficiência, «pois se até tens boa cara e falas e ages praticamente como dantes...»; não é fácil não querer ser coitadinha e lutar por avançar... e depois não conseguir que aceitem que também temos fraquezas e momentos de desânimo; não é fácil a vida e não há mesmo manual algum de instruções que nos diga o que fazer e o que pensar a cada sobressalto maior ou menor no quotidiano...
«Et pourtant»...como cantaria o Léo Ferré... temos mesmo de avançar, por nós, por aqueles que nos amam, porque a vida não nos cai no colo assim de repente, porque ficar sentados a chorar não é solução... e porque não sabemos fazer de outra forma! ...mas deixem-me hoje queixar do cansaço, dos momentos de angústia...porque eu não sou só sol, não sou só força, não sou só luta, sou também aquele ser pequenino que se esconde cheio de medo atrás da imagem que criou para si e para os outros, a quem a vida também dói, um pedacinho de vidro (esta paga direitos de autor à E.!), colorido mas de vidro, que também sofre como os outros, que também cai como os outros, que também precisa da força dos outros... Ainda que este pedacinho de vidro ambicione ser cristal, ainda que este pedaço de mim queira ir mais longe e contrariar os seus momentos de desânimo, ainda que tenha dificuldade em reconhecê-los como seus e aceitá-los como normais, em alguém que é só vidro... como os outros todos, deficientes ou não, doentes ou não!
E este pedacinho de mim anseia por que o amor seja mesmo contagioso, como afirma a Mafalda Ribeiro, e me ajude a ir mais longe, a ser mais verdadeira comigo e a recuperar aquele sol que até tem estado comigo tantos e tantos meses! "Porque eu continuo a acreditar que as pessoas não se cruzam na vida umas das outras por acaso.", diz a Mafalda; sim, e porque eu quero acreditar que há coisas que não acontecem por acaso ou, se assim é, que nós temos de lhes atribuir um sentido, servirmo-nos delas para tentar ir mais longe, partir daquilo que nos roubou a vida que tínhamos e criar algo com sentido para nós e que nos faça transcender a sensação de perda, sublimando-a em novas conquistas para nós e já agora para os outros...porque o amor deve ser mesmo contagioso!
Nós, que ouvimos também com os olhos!
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