Domingo, 20 de Julho de 2008

Ver, rever e (con)viver...

A vida tem situações que nos obrigam a rever o que dissémos e pensámos acerca desta ou daquela pessoa, deste ou daquele assunto, levando-nos também a ponderar acerca das certezas que tínhamos, a duvidar de que o branco seja assim tão branco, a questionar se aquilo que vemos dos outros corresponde verdadeiramente àquilo que eles são ou se é apenas uma das suas facetas...

Quando alguém nos surpreende positivamente, mostrando de si uma parte que desconhecíamos, dando-se ao trabalho de chegar até nós, sem obrigação de o fazer, porque nada nos deve nem nós a ela, vale a pena pensar duas vezes nas nossas ideias feitas, nos retratos infiéis que pintámos dos outros...o que nos leva a outras questões, igualmente importantes: que imagem é que damos de nós aos outros, que interpretação farão eles daquilo que dizemos e fazemos ("que parte de mim fica no fogo ateado em volta, que parte?", José Jorge Letria)?

Assim como julgamos os outros e deles criamos a nossa verdade, o mesmo se passa com eles! Ou seja, será que andamos todos a brincar às escondidas com a verdade? E connosco próprios, o que acontece? Será que eu hoje me mostro assim porque sou assim mesmo, ou porque sei que é isso que esperam de mim, ou porque sei que isso agrada àqueles de quem gosto, ou porque não quero magoá-los e muito menos ferir de morte a eventual imagem positiva que possam ter de mim? Quando digo «ai!», será esse «ai» aquilo que transporto em mim, o «ai» que esperam de mim, o «ai» que quero soltar de mim?

Até que ponto as expectativas, os (pre)conceitos  e os sentimentos dos outros e os nossos condicionam a nossa vida? Onde começamos e onde acabamos, no nosso olhar, no olhar dos outros, em todos eles? Seremos um só ou possuiremos diversas identidades, ou ainda, será a nossa identidade  plural, um misto de facetas por vezes contraditórias, outras nem tanto? E qual é a nossa verdade no meio disso tudo? E a dos outros? Será a verdade uma só ou ela mudará consoante o seu «dono», o momento em que acontece e aqueles a quem se dá a ver? Se assim for, como pode a verdade ser verdadeira?

 

 

 

 

O que nós vemos das cousas são as cousas.

Porque veríamos nós uma cousa se houvesse

outra?

Porque é que ver e ouvir seriam iludirmo-nos

Se ver e ouvir são ver e ouvir?

 

O essencial é saber ver,

saber ver sem estar a pensar,

Saber ver quando se vê,

e nem pensar quando se vê

Nem ver quando se pensa.

 

Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),

Isso exige um estudo profundo,

Uma aprendizagem de desaprender

E uma sequestração na liberdade daquele convento

De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas

E as flores as penitentes convictas de um só dia,

Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas

Nem as flores senão flores,

Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores.

 

Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos XXIV

Rabiscado por... misal às 23:23
link do post | «Li e penso de que...» | Adicionar aos favoritos
4 comentários:
De ProfZ a 21 de Julho de 2008 às 23:08
Sempre atenta ... amiguita!
Vim ao teu cantinho agradecer-te e encontrei este texto... divinal. Mais uma vez, e apesar de tudo, continuas a mesma pessoa, talvez um pouco mais filosófica...
Bjks
De misal a 22 de Julho de 2008 às 00:22
Olá!...isto são efeitos dos trabalhos finais do 2º semestre - alguma coisita ficou por cá a germinar!
Obrigada e beijinhos
De AMar a 20 de Julho de 2008 às 23:37
Travestida de filósopsicóloga?
Onde é que a menina vai parar?
De misal a 20 de Julho de 2008 às 23:54
Pois dei comigo um bocado nessa onda e a lembrar-me do Fernando Pessoa, a ver o post a ficar pró hermético e confuso...mailas as minhas ideias!!! É que, às tantas, já nem sei bem onde vou dar...é a preparação para a consulta de amanhã - já levo meio trabalho feito para a conversa, assim começo logo por ser elogiada e o resto já não «dói tanto»! Manha...
Hugs and Kisses e também prós teus homens!!!

Comentar post

Nada sobre mim

Procurar agulha em palheiro...

 

Abril 2014

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30

Posts recentes

...

DE LUZ E DE SAL

Abraço

Sábado, 24 de Abril, Sant...

Dia das Doenças Raras

Vencer, apesar do medo...

O hoje e o agora...

E bom Natal!!!!!!!!!!!!!

Desistir...

Ousar ser diferente

Baú de memórias...

Abril 2014

Dezembro 2011

Novembro 2011

Abril 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Novembro 2007

Outubro 2007

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Junho 2007

tags

todas as tags

A escaldar...

Abraço

Dia Mundial da Música I

«Porque a deficiência não...

Ver, rever e (con)viver.....

Coganitos...

Hoje é o dia!

Momentos perfeitos

Tesouros...

Da voz das coisas

links