Foi ontem, em Santarém, o 2º encontro dos «Coganitos» (portadores de Síndrome de Cogan). Boa conversa (com uns «ã?» pelo meio e uns «não percebi») e convívio «quentinho», apesar do frio exterior!!
Já estava com saudades de aqui chegar! E ainda não vai ser desta o mail longo que gostava de escrever, já que o corpo puxa-me para o descanso depois de um dia de algum trabalho.
Ontem foi dia de partilhas, de abrir o coração aos outros, de me contar numa sessão de esclarecimento sobre a audição e a perda dela, para um público muito curioso: «jovens» estudantes de uma Universidade Sénior.
Fui contar um bocadinho do que tenho vivido desde que perdi parte da audição. Comecei com uma frase roubada ao escritor António Lobo Antunes, de cujas crónicas sou fã incondicional - «Estou aqui, diante de vós, nu e desfigurado»- para ver se «entrava com o pé direito».
A entrada não correu mal...o resto não sei bem, precisava de ter estado do outro lado, do lado de fora de mim para me ouvir, para deixar entrar em mim as minhas palavras e ver se elas ecoavam ou não cá dentro! Para ver se entre aquela que falou e os que a escutaram , ou apenas um deles, se estabeleceu, nem que tenha sido apenas por um breve instante, um laço qualquer...porque se assim tiver sido, então valeu a pena ali ter estado inteira, eu toda, sem disfarces, apenas eu!
Bill Withers - Ain't No Sunshine, 1971
Afastada deste cantinho já há quase uma semana, porque o trabalho começou a apertar, nem por isso deixo de ser quem era antes de o Síndrome de Cogan me virar a vida pessoal e profissional do avesso, e de sentir e tomar como minhas as dores dos meus colegas, ainda que não possa fisicamente estar com eles.
Por necessidade de me resguardar a nível pessoal, para evitar o malvado do stress, inimigo das doenças auto-imunes, tenho acompanhado apenas de longe toda a polémica que envolve o «actual» estado do Ensino em Portugal e que os meios de comunicação têm erradamente reduzido à avaliação dos professores e ao regime de faltas dos alunos (por falta de investigação suficiente, quero crer, uma vez que nem me atrevo a pensar que o motivo possa ser de outra natureza!) .
Com efeito, o que está em jogo e desde há muito mais tempo, desde antes de ter de me afastar da minha actividade profissional em 2006, é muito mais que isso e nem tem a ver com o ser avaliado ou não ser avaliado - como em todas as profissões, há no Ensino profissionais competentes, outros que se esforçam por sê-lo e outros que «vão empurrando o trabalho com a barriga» para chegarem ao fim do mês e receberem o ordenado; como em todas as profissões, há professores por «vocação», outros por acaso mas que descobrem ser o acaso o caminho certo para eles (foi um pouco a minha situação), outros ainda que apesar de não gostarem do que fazem, não podem ou não querem mudar de emprego.
O motivo mais óbvio para a contestação actual dos professores, para quem não conhece bem a realidade das escolas é a avaliação; este modelo de avaliação é, contudo, apenas a gota de água que fez transbordar a paciência de quem, ultimamente, tem de roubar horas ao sono nocturno para poder fazer aquilo que é uma das componentes do seu trabalho: preparar as aulas; a outra, é dá-las e isso ainda vai acontecendo de forma regular, embora qualquer mente menos avisada possa prever que em breve isso poderá não acontecer - às vezes, muitas vezes, o corpo não colabora, sobretudo se o esforço físico e emocional a que está sujeito não encontra respostas satisfatórias em troca.
Não se julgue que falo aqui de aumentos de vencimento (embora a questão até seja pertinente!), nem da atribuição de uma qualquer medalha de «professor» do ano ou do século! Falo tão somente de comentários como aquele que uma ex-aluna fez, quando soube que não podia voltar a dar aulas, e que me tocou profundamente: «que aborrecido, professora! É que quando se gosta do que se faz e não se pode continuar...». E não foi apenas o «elogio» o que me comoveu, mas saber que aquela (ex-)aluna, pelo menos aquela, das centenas que tive ao longo de 20 anos, percebeu que eu punha muito de mim naquilo que fazia, que levava a sério o trabalho e aqueles com quem trabalhava. Se em cada ano que passa o professor conseguir chegar a 2, 3, meia dúzia de alunos, o ano está ganho!
Por isso me chocam os comentários da suposta manipulação, por parte dos sindicatos, de 120.000 professores. Será possível manipular por duas vezes num mesmo ano tantos milhares de professores? E se tal fosse possível, não seria uma atitude inteligente, por parte de quem faz tais afirmações, tentar conseguir manipular também esses tais 120.000 professores e levá-los a fazer tudo o que querem implementar no Ensino? Já que, supostamente, os professores são tão ingénuos, por que motivo não lhes acenam com uma cenoura que depois evitariam dar? E, já agora, se 120.000 professores são tão pouco inteligentes, o que estão eles a fazer nas escolas com as crianças e jovens deste país? Não será um risco demasiado grande confiar a gente tão pouco competente «os destinos do país»? Afinal, em que ficamos? Alvos de manipulação, chantagistas, ignorantes... ah, e obviamente, tambémcom capacidade para manipular os alunos que protestam, já agora!
Sou eu que sou mesmo ignorante e manipulável, tal como os meus 120.000 colegas, será da doença («'bora informar os médicos de um novo sintoma da «minha» doença rara) ou será que «a bota não bate com a perdigota»?
Chique Buarque, Gota d'água
Já lhe dei meu corpo, minha alegria,
Já estanquei meu sangue, quando fervia,
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta, pro desfecho da festa
Por favor
Deixa em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não,
Pode ser a gota d'agua,
Deixa em paz meu coração,
Que ele é um pote até aqui de mágoa,
E qualquer desatenção, faça não,
Pode ser a gota d'agua !
Já lhe dei meu corpo, minha alegria,
Já estanquei meu sangue, quando fervia,
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta, pro desfecho da festa
Deixa em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não,
Pode ser a gota d'agua!
GNR e Sónia Tavares - Asas (live @ Vodafone SoundClash)
ASAS
para sonhar ou para planar
Visitar, espreitar, espiar
Mil casas do ar.
As asas não se vão cortar,
Asas são para combater
Num lugar infinito
para respirar o ar.
As asas são
para proteger-te, pintar,
Não te esquecer,
Visitar, espreitar-te
bem alto do ar.
Só quando quiseres pousar
da paixão que te roer.
É um amor que vês nascer
sem prazo, idade de acabar.
Não há leis para te prender,
aconteça o que acontecer.
sábado,29 de Novembro
Santarém
2º Encontro de Portadores de Síndrome de Cogan
para mais informações, contactar imisal@hotmail.com
No decurso do longo caminho até ao diagnóstico de uma doença é frequente a «peregrinação» por inúmeros locais - centros de saúde, hospitais, consultórios médicos diversos - e, muitas vezes, decidimos recorrer a segunda e terceira opinião médica. É nesses momentos que percebemos que temos de levar connosco sempre, para todo o lado, todos os relatórios médicos (de alta hospitalar, de exames feitos, por exemplo), todos os exames complementares, resultados de análises e, ainda, o registo de todos os sintomas e data/momento da sua aparição, porque cada novo médico começa pelo inevitável «ora então diga lá...», a que se segue a questão «já fez alguns exames médicos?». Ora muitas vezes acontece que os ditos relatórios e exames ficaram no local onde foi iniciado o processo clínico e nem sempre nos é fácil aceder a esses documentos, apesar de, por lei, termos direito a isso. Aqui há uns tempos encontrei um exemplo de minuta para requerimento do processo clínico, num site ou blogue que visitei (e do qual não possuo a referência, pelo que peço desculpa ao autor!) e que posto aqui:
EXM.º SENHOR PRESIDENTE DO CENTRO HOSPITALAR DE ……
MARIA …, casada, doméstica, residente na Rua ….., N.º ___, ____.º andar, Dt.º, Urbanização …., 0000-000 PORTO, vem requerer a V. Ex.ª que lhe seja fornecida, no prazo de dez dias (cfr. art.º 14.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto), reprodução por fotocópia do seu processo clínico (historial clínico, elementos de diagnóstico e tratamentos efectuados), dados e exames clínicos registados, informações médicas e demais documentos correlacionados (historial clínico, elementos de diagnóstico e tratamentos efectuados)(cfr. parte final do art.º 5.º da Lei n.º 46/2007), existentes / arquivados no Hospital de ………………………(Departamento/Serviço de….), o que faz nos termos de toda a legislação vigente aplicável, designadamente, dos artigos 61.º a 65.º, todos do Código do Procedimento Administrativo (CPA), da Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto (artigos 3.º, n.º 1, alínea a), 4.º, n.º 1, alínea a), 5.º, 7.º, 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) 13.º, n.º 1, e 14.º, n.º 1, alínea b)), do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 135/1999, de 22 de Abril, e demais legislação aplicável, para efeitos de instrução de procedimento administrativo (…).
a requerente,
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(assinatura)
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Já agora, ainda que ninguém espere nem sequer imagine que uma simples constipação possa ser o sintoma de qualquer doença, se estiver nessa caminhada dolorosa para a descoberta de um diagnóstico, é conveniente que arranje um caderninho para levar consigo a cada médico a que vai; nele deverá anotar «o princípio da sua história» relativamente à doença: se ainda se lembrar, escreva o que aconteceu e quando e quais os medicamentos tomados; registe ainda, durante ou no final de cada consulta, todas as indicações dadas pelo médico; também poderá anotar em casa as dúvidas que tem e as perguntas que quer fazer ao médico, na véspera da consulta.
Para quem não é «doente profissional», tudo isto pode parecer excessivo e quase ridículo; no entanto, quem tem uma doença crónica sabe que é importante o registo destes dados, porque a memória ao fim de uns meses ou de uns anos já não retém o que aconteceu no princípio e às vezes é necessário, porque mudamos de médico, porque surgiu um novo sintoma, porque mudamos o tratamento, recontar «a história da nossa doença».
Nós, que ouvimos também com os olhos!
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