Contacto desde há algumas semanas com uma jovem francesa com Síndrome de Cogan que vai ser operada dia 3, para receber o seu implante coclear, pois está completamente surda desde há um mês.
Teve os primeiros sintomas da doença há cerca de um ano, mas apenas lhe foi diagnosticada a doença há um mês, quando teve a queratite (inflamação ocular); apesar de, desde os primeiros sintomas, ter sido correctamente medicada com corticoesteróides e imunossupressores, a sua evolução para a surdez foi muito rápida.
Tal como outra doente com quem já contactei, o ficar completamente surda foi quase um alívio: é que as flutuações na audição (e na compreensão dos sons) são tão grandes e acontecem tão frequentemente que os momentos de desespero são inevitáveis! E, se no caso da jovem francesa, estas flutuações demoraram cerca de um ano, já no caso da outra doente isso aconteceu durante cerca de vinte anos!
Será possível perceber o que é acordar a ouvir tudo ao longe, passadas algumas horas ouvir melhor e perceber parte das palavras que nos dizem (inferindo as restantes de acordo com o contexto - se conseguimos descobri-lo!) e chegar à noite e já não perceber quase nada de novo? Ou, quando temos sorte e alcançamos períodos de alguma estabilidade, conseguir perceber um telejornal, reconhecer músicas, ouvir e perceber os outros, conseguir perceber uma conversa telefónica e, duas ou três semanas depois, sem sabermos porquê, já só conseguimos perceber o pivô do telejornal enquanto mostram a sua cara e fazemos leitura labial que complementa o pouco que ouvimos? Quando o inverso sucede, acordar e descobrir que se ouve melhor, que já se reconhece outra vez aquele som, a alegria é grande; mas, com o tempo, tendemos a temperá-la de prudência, a não desejar sequer ouvir melhor, mas esperar não ouvir pior...
Apesar de tudo, que sorte tenho tido por ser uma «coganita» atípica e ainda ir conseguindo recuperar alguma audição!
E os outros? Quantos serão? Terão a sorte de fazer um implante coclear? Será possível para eles a reentrada no mundo dos sons? E haverá quem se preocupe com isso, para além dos familiares e amigos e alguns (poucos) profissinais da saúde? Quando ganharão voz esta e outras doenças raras?
Boa sorte, Stéphanie, e bom regresso ao mundo dos sons!
Já está!
Férias feitas e um Agosto cheio de sol, de mar, de areia (... e vento! - «Há tanto vento no meu país!»), de passeios a pé e, sobretudo, de sons, de risos, de cumplicidades e de carinho.
Contas feitas, apesar dos «mas...», um Agosto de luxo!..Espero que até ao final!
Já agora... o sol pode continuar!
Os afectos, os silêncios, os sinais
são a diversa linguagem dos meus dias
e o corpo soma a sua soma em vida.
Fiama Hasse Pais Brandão
(excerto do poema «Canto da Arte Breve» in Obra Breve)
Se hás-de ser o que choras
Ter que ser, não o chores.
Se toda a mole imensa
Do mundo ser-te-á noite,
Aproveita este breve
Dia, e sem choro ou cura
Goza-o, contente por viveres
O pouco que te é dado.
Ricardo Reis
É preciso exercitar a humildade e tentar diminuir a ambição de ter sempre mais e melhor; é preciso aproveitar os pequenos-grandes momentos diários de felicidade e preservá-los na memória, para a eles recorrermos nos dias de desespero; é preciso saber ver em cada pequena coisa que nos dá alegria o verdadeiro sentido da vida.
Como? Não possuo receitas, apenas tento ( e como é difícil, a maior parte das vezes!) ver a beleza do que vivo cada dia, nem que seja o brilho do sol, ou um abraço de alguém amigo, ou até aquele almoço que estava tão bom, e evito esperar por amanhãs incertos de dor ou de prazer. Se nos consumirmos na antecipação, não existimos agora e o hoje foge-nos por entre os dedos. E só o hoje importa! O amanhã se verá...
Já há alguns dias que não me apetecia escrever aqui - o calor apertou e, junto ao computador, estão 30 graus, mesmo às escuras e de ventoinha ligada (quando for grande hei-de conseguir arranjar um ar condicionado. Para já, como tenho a audição «condicionada», é para ela que dirijo as poupanças); a alegria de quase todos os dias redescobrir um novo / velho som tem-me posto eufórica e menos dada à escrita; algumas tarefas adiadas esperavam por um acto de coragem para serem realizadas; e.. não andava a apetecer-me!
O que tenho vivido nas últimas semanas, desde que coloquei o meu 4º «ouvido» (momento que coincidiu com uma subida da audição e da discriminação dos sons), tem sido de tal modo inebriante que dou comigo quase aos saltos de alegria por tudo e por nada, por coisas tão pequeninas, mas tão importantes: voltei a conseguir ouvir música ( já me aventurei com uma ou duas canções desconhecidas e pareceu-me distinguir a melodia ou, pelo menos, não ouvir só a batida de fundo, como antigamente) e os 15 minutos em que o fiz, sentadinha à sombra do quintal (e que bem que se está no campo!) a beber uma cervejita (sem álcool, claro, «medicamentos oblige» foram... um daqueles momentos perfeitos de pura felicidade a que nem sempre soube dar o devido valor!
Conseguir voltar a ouvir (e perceber) telejornais, reportagens inclusive ( que são sempre mais difíceis de entender porque, muitas vezes, não se vê a cara do repórter, o que impossibilita a leitura labial), perceber filmes falados em francês (dobrados - estão a ver o jeito que dá para fazer a leitura labial: os movimentos dos lábios não correspondem aos sons que conheço) ...
Ouvir o canto das rolas ao fim de tarde - bom, não consegui identificar o som sem ajuda, pensei que era música de um cd ou do rádio) sem, SEM PRÓTESES!...
Sentir o fresquinho da manhã de hoje, cedo, demasiado cedo, e ver o sol nascer debaixo de uma ligeira neblina que fazia adivinhar o dia de calor que ia estar...
Descobrir, depois de fazer um audiograma, que ainda melhorei mais um bocadito do ouvido esquerdo...
Apreciar o sossego deste fim de tarde e o pôr-do-sol lá ao fundo...
Conversar com amigos, sem pensar em trabalho, nem em doenças, nem em nada de especial; estar com eles, usufruir da sua companhia...
Quais Euromilhões, quais quê (atenção, se vier, é bem recebido, que não sou esquisita e o dinheirito dava algum jeito; não muito, mas para pagar o empréstimo da casa, para uns arranjos na dita cuja e para substituir o velhote do meu carro, que anda na pedincha prá reforma há anos!)!
Bastam cinco minutos de paz, ou de alegria, ou de partilha, para o mundo ser perfeito, ainda que no dia seguinte , ou até mesmo na hora seguinte, já não seja assim tão perfeito. Se em cada dia que passa conseguir encontrar um desses momentos perfeitos, acho que tudo o resto vai ser infinitamente mais pequeno. Que querem? Sinto-me feliz!
Nós, que ouvimos também com os olhos!
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