Segunda-feira, 30 de Junho de 2008

Com este calor, não dá!

Continuam pululando por aí seres cheios de sabedoria, tão cheios de certezas e de «eu acho que...», tão cheios deles próprios e da magnífica ideia que querem dar de si, que é bem provável que um dia destes rebentem numa nuvem de pó e que, após o arejamento imprescindível,  se resumam a uma ínfima imagem de vergonha por se recusarem a aceitar a sua condição de meros mortais,  não muito diferentes dos outros todos que eles criticam e aconselham com presunção.

O calor abrasador e repentino que me põe exausta com o mínimo esforço físico (ó pra mais um brinde do Síndrome de Cogan, comum a outras doenças auto-imunes, como a Esclerose Múltipla - oi M.! -, o Lúpus -oi, Lytha do http://diariodeumaborboleta.blogs.sapo.pt/ - e a Doença de Crohn - oi M.! -, para só mencionar as mais conhecidas!) e que , literalmente, me torra os miolos, impede-me de ter pachorra para tão sábios seres que ousam viver a vida dos outros melhor que os ditos, à força de se recusarem a viver as suas próprias! Lamento o tom agressivo, mas realmente a paciência, que nunca foi muita, começa a escassear! Sei há muito que não sou nem um pouco perfeita e embora muitas vezes isso não me agrade, já não é com tanta ligeireza que ouso opinar sobre o que cada um faz (excepção feita aos mais chegados e nem sempre!), pois descubro frequentemente que sou capaz de cometer os mesmíssimos erros.

Vivemos, de facto, numa época em que todos nos achamos com direito a emitir juízos de valor sobre os assuntos mais variados, com a mesma facilidade com que, por enquanto, abrimos a torneira para beber água; como dizia um professor que tive, «Hoje há especialistas em tudo e em coisa nenhuma; vão a qualquer jornal televisivo e dão a opinião sobre tudo, ainda que, muitas vezes, comecem por dizer bem, apesar dessa não ser a minha área, penso que.... Então, se não é essa a sua área, para que é que dão uma opinião, não me dirão?». Pois, professor, não sei bem por que razão o fazem, embora desconfie de que realmente são especialistas de «coisa nenhuma», ou melhor, são especialistas em não saber (con)viver consigo próprios!

 

 

 

A CONTAS COM A TREVA

 

Que ninguém diga que nasceu

como nasceu a água, o fogo ou o vento.

Que ninguém diga que pertence

à raiz, à fonte ou ao labirinto das vozes.

Que ninguém fale do que não sabe,

sob pena de errar e de mentir

para além do limite do que é tolerável.

Só de cima de um ramo alto e verde

se pode perceber a extensão do rio,

a imensidão da planície, a tentação do longe

desafiando os poderes da visão.

Um pássaro não pertence ao céu,

nem o poema  a um poeta.

Tudo é mais complexo e desnorteante,

podendo a simplificação conduzir

à loucura ou mesmo à morte.

Passa a água por onde passa a luz da estrela,

por onde passa o sulco de um amor antigo,

a dor de uma ferida que o tempo não sarou.

A morte é sempre atrás das janelas

que se pressente e se vigia, como um peixe

agonizando na solidão circular de um aquário.

Esta noite está morna e húmida

como um corpo depois da entrega total,

e essa é a única maneira que tem

de esconder a miséria de estar só,

a contas com a treva, no meio do universo.

 

José Jorge Letria, O Livro Branco da Melancolia

 

 

 

Rabiscado por... misal às 20:43
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Quarta-feira, 25 de Junho de 2008

A perfeição existe?

IM not a perfect girl

tirei daqui http://enchulatupagina.wamba.com/

 

 

...às tantas, nem gosto assim tanto de ser imperfeita, mas não há como evitá-lo, eu sou mesmo assim e, para dizer a verdade (e sossegar a alma e o ego!), não conheço ninguém perfeito!

 

 Já agora, lembram-se desta canção da novela «Gabriela»?

 

 

cantada por Gal Costa

Rabiscado por... misal às 12:37
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Domingo, 22 de Junho de 2008

Gotas de sons!

 

 

 

 

Vamos lá ver se é desta... os Train, com Drops of Jupiter!

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Rabiscado por... misal às 23:18
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Sábado, 21 de Junho de 2008

Sonhar só não basta!

SONHAR SÓ NÃO BASTA (VIVER SÓ TAMBÉM CUSTA!)!

 

Sonhar só não basta.

É preciso criar a dor

e a palavra.

É preciso saltar, correr,

amar e viver.

É preciso subir às estrelas

e arrancar delas

gotas de orvalho.

É preciso dizer, sorrir,

gritar abertamente,

deixar para trás a solidão.

É preciso saber a vida,

sentir o gosto amargo de um não,

ou o riso cristalino de um sim.

É preciso lançar-se na vida,

canoa frágil, mas de leme seguro,

sobrevivendo a tempestades,

a tormentas,

a sonhos desfeitos,

a castelos destruídos pelas vagas.

É preciso combater,

aspirar o doce murmúrio

de um raio de sol.

É preciso, sim,

é preciso!

 

Misal... há já 21 anos!

 

 

 

E já que estou numa onda de revivalismo e o vídeo dos Train, Drops of Jupiter (...uma das últimas canções que ouvi até à exaustão, antes do "apagão"!) não quis dar um ar de sua graça, cá vai a Tracy Chapman e Baby can I hold you...

 

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Rabiscado por... misal às 17:33
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Quinta-feira, 19 de Junho de 2008

Momentos +

Hoje, dia cheio de sol e daqueles momentos que nos enchem a alma, numa manobra de efeitos paradoxais: o coração aumenta de volume com a alegria, ao mesmo tempo que se comprime num arrepio de saudade...

 

Aqui vai a lista dos momentos quase perfeitos do dia:

 

1- Dormi até mais tarde, tentando recuperar do cansaço de ontem, provocado pelo esforço físico e mental.

2 - O dia amanheceu lindo e o Verão parece que está mesmo a chegar, substiuindo uma Primavera sombria e entediante. 

3 - Recebo aqui no blogue a visita de um «companheiro de estrada», o Paulo Simão (http://www.aminhadoenca.pt.vu/), também portador de uma doença rara, com um caminho já muito maior que o meu.

4.1 - Assisto à festa de final do ano escolar e vejo e oiço a cantar algumas das minhas meninas;

4.2 - Recebo beijocas e abraços sinceros de graúdas e miúdas;

4.3 - Consigo reconhecer uma das músicas cantadas pelos mais pequeninos e até balanço ao seu ritmo, enquanto entoo baixinho o refrão (obrigada, Z., porque foste responsável por este momento, mesmo sem o saberes!)

4.4 - Recebo um cdRom com alguns dos momentos mais importantes deste ano da minha última «fornada», das mãos das minhas ex-pequeninas, actuais «matulonas» completamente adolescentes.

5 - Comi um bocadinho de gelado pela primeira vez este ano, para abrir a «saison» e depois de lutas titânicas entre a vozinha da consciência e a da gula.

6- Vou «sofazar», porque quando o calor aperta e a sede desperta o cansaço é maior (um brindezito da doença auto-imune!) e, consequentemente, a audição está um pouco entupida.

 

Uma sexta-feira cheia de sol!!!

 

 

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Rabiscado por... misal às 21:42
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Segunda-feira, 16 de Junho de 2008

Que tudo o mais vá para o inferno...

Este post hoje é para algumas das «minhas meninas» que, por um motivo ou outro, ou por vários ao mesmo tempo, andam por estes dias com a lágrima fácil ou vontade de gritar a plenos pulmões para aliviar a alma, devido ao cansaço físico e emocional que as invadiu neste período pré-férias.

Parece que estas meninas, todas elas grandes guerreiras e grandes mulheres (embora uma delas, a que inspirou este post e minha homónima, ainda seja «só» um projectinho -lindo! - de mulher!), estão a chegar àquele ponto em que já só conseguem arrastar-se para cumprir as derradeiras tarefas antes do repouso merecido, já quase sem forças para esboçar um sorrizito nem que seja amarelo, já sem saberem por onde andar, com a sensibilidade à flor da pele, convencidas que pouco valem e que mesmo esse  valor ínfimo não é reconhecido por ninguém.

Haja calma, meninas!!! Sim, têm razão em estar cansadas; sim, há sempre quem critique o que fazem; sim, há sempre quem veja naquilo que dizem e fazem uma intenção que não era a vossa; sim, até a chuva carrega mais os vossos ombros; sim, as férias nunca mais chegam; sim, estão fartas e pronto, não querem saber de mais nada e querem «que tudo vá para o inferno», como dizia a canção, e para evitar utilizar expressões que possam chocar as almas caridosas que têm paciência para lerem o que escrevinho!

Há momentos em que a frase mais inocente parece um verdadeiro míssil que nos destrói por dentro, tornando-se o ponto de partida para a formação da bola de neve que nos leva ao desespero e ao medo de não aguentar mais a mesma vida. Nesses momentos estamos mais frágeis e incapazes de darmos valor a tudo aquilo que somos e que conseguimos fazer, indiferentes aos pequenos momentos de alegria de cada dia. Temos direito a isso, a irmos ao fundo, a sentirmo-nos perdidas, cansadas, desconsoladas, insatisfeitas e a chorar ou a gritar, ou a aliviar da melhor maneira toda a angústia que nos devora! Depois, no entanto, é importante arranjar forças para bater com os pés bem lá no fundo e voltar à superfície, tentando acreditar que, se conseguimos na nossa vida tantos sucessos, mesmo que pequenos, não foi por acaso, não foi porque alguém nos ajudou, não foi por sorte, ou melhor, pode até ter sido por tudo isso, mas sem a nossa vontade, sem a nossa energia, sem a nossa coragem, tudo o resto não bastaria!

Vá lá, garotas! Acreditem em vocês mesmas, acreditem que são capazes, que têm valor, que têm muitas qualidades, que há quem goste de vocês como são (mesmo se nem sempre vos sabem dizer ou mostrar isso da melhor maneira) e avancem com segurança e com optimismo, tentando apreciar tudo o que a vida vos oferece de bom e não insistindo em querer mudar aquilo que não depende de vocês! O resto...«que vá para o inferno»!

 

 

 

 

Versão ecológico-humorística da canção «Que tudo vá para o inferno», cantada no original por Roberto Carlos.

 

Rabiscado por... misal às 18:24
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Domingo, 15 de Junho de 2008

Os tempos...

Há alguns dias que não venho aqui, apesar de consultar diariamente os blogues que gosto de acompanhar - o calor e o acréscimo de trabalho não têm ajudado, para além do facto de me parecer ter esgotado ideias com a fúria compulsiva de escrita dos primeiros dias de Junho.

Depois, ele foi o bloqueio, a procura frenética de gasolina, o encostar o carrito «às boxes» porque estava na reserva e, à conta dela já tinha dado umas voltas para procurar bens essenciais - e, inteligentíssima, não me lembrei de pôr o conta-quilómetros secundário (que me perdoem os peritos, mas não sei o nome daquilo!!) a funcionar não sabendo, portanto, para quantos quilómetros ainda teria gasolina - ,  o andar a pé para tratar do essencial e agradecer aos santinhos não estar a precisar muito do carro naqueles dias, o espreitar a meia-hora final dos jogos com a nossa selecção (não sendo grande fã de futebol e tendo ficado desesperada com o exagero da cobertura mediática da partida da selecção, mesmo assim gosto de espreitar «os nossos», ma non troppo, porque rapidamente me converto e desato a gritar, a chamar nomes ao árbitro e aos adversários, esquecida que não percebo grande coisa e que até estou a fazer as figuras ridículas que critico nos outros!... para além de achar um disparate enervar-me por causa de um acontecimento que até nem é assim tão importante! ), o fim do bloqueio e o tentar pôr em ordem tudo o que ficara por fazer à conta da ausência de meio de transporte próprio e, por último, o aproveitar o fim-de-semana para matar saudades...

E já lá vai outra semana e mais o Santo António! O ano escolar aproxima-se vertiginosamente do fim e o trabalho está a aumentar; há prazos a cumprir, e estou a tentar não deixar tudo para a última da hora, espremendo o cérebro até à exaustão na procura daquela ideia brilhante que me permita apresentar trabalhos verdadeiramente fantásticos, dignos do génio que gostaria de ser! Infalivelmente, e uma vez mais,  já estou na fase de recuar e pensar que, à falta de ideias brilhantes e de tempo (e de génio também!!) para as arranjar e depois para as concretizar, talvez seja melhor ser realista e modesta e deixar-me de ambições utópicas, fazendo um trabalho à medida do que me foi pedido e daquilo que realmente sou capaz de fazer com o que sei e no tempo de que disponho.

Eu bem tento pôr os pés no chão e até consigo fazê-lo a maior parte das vezes, no que respeita, por exemplo, à minha doença; agora, quando chega à parte do trabalho, parece que enlouqueço e dou por mim a tentar ir mais longe, num excesso de perfeccionismo que, depois, causa maiores decepções quando não consigo realizar os tais projectos que idealizei e que, num assomo de vaidade e cegueira, achei originalíssimos e dignos de grande aplauso. Felizmente que normalmente o tempo, ou a falta dele, se encarrega de me devolver a sanidade mental (digo eu, não sei o que os outros pensarão!!) e de me encaminhar para a realidade...

Acho que não há maneira de me convencer que a perfeição não existe (roubando descaradamente as palavras à raposa de «O Principezinho») e que eu tenho direito, como todos os outros, a não ser capaz de fazer tudo e a não ser uma criatura «imaculada», sempre certa nas palavras e nos actos, incapaz de falhar! E, sobretudo, tenho de ver se me convenço a aceitar com os defeitos que tenho...para  ver se também me é mais fácil aceitar os dos outros!

E... até amanhã... porque para uma «Coganita» (tal como para o comum dos mortais, é certo!) o descanso é fundamental para que a semana de trabalho corra bem e para que os ouvidos funcionem o melhor possível!

 

Rabiscado por... misal às 23:01
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Terça-feira, 10 de Junho de 2008

10 de Junho

Busque Amor novas artes, novo engenho

para matar-me, e novas esquivanças;

que não pode tirar-me as esperanças,

que mal me tirará o que eu não tenho.

 

Olhai de que esperanças me mantenho!

Vede que perigosas seguranças!

Que não temo contrastes nem mudanças,

andando em bravo mar, perdido o lenho.

 

Mas, conquanto não pode haver desgosto

onde esperança falta, lá me esconde

Amor um mal, que mata e não se vê.

 

Que dias há que na alma me tem posto

um não sei quê, que nasce não sei onde,

vem não sei como, e dói não sei porquê.

 

Luís de Camões

 

 

... porque há muito mais Camões para além dos Lusíadas, o Camões dos sonetos de (des)amor e não só!...

Releiam e saboreiem «o engenho e a arte» deste poeta!

Rabiscado por... misal às 15:38
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Sábado, 7 de Junho de 2008

E lá vai um!

 

 

 

E lá vai um... anito de blogue!

Criado para desnudar emoções, pensamentos, descobertas e tudo o mais que pudesse vir a propósito dos meus dias, este blogue tinha, essencialmente, um «fim terapêutico»: revelar a mim mesma e aos outros o dia-a-dia da convivência com a doença crónica que me «atacou à traição»: Síndrome de Cogan.

 

Assim mesmo, a negrito, Síndrome de Cogan, para chamar bem a atenção daqueles que, tal como eu antes do diagnóstico, não fazem a mínima ideia do que é esta doença rara, e também dos outros que já a conhecem, por «um saber de experiências feito» na própria pele ou de alguém chegado ou ainda pela leitura de algum dos posts deste blogue (ou de qualquer artigo sobre o assunto - hipótese rara, dada a escassez de informação sobre a doença).

 

É pois, com o nome bem visível, Síndrome de Cogan, que relembro o início do blogue, numa fase ainda aguda da doença, com grandes flutuações auditivas, sobretudo no ouvido esquerdo, com a energia física só parcialmente recuperada, com problemas crónicos de instabilidade no equilíbrio, com as curvas e os quilos adicionais patrocinados pela cortisona, com o fígado a queixar-se de vez em quando do «metrotrexato» (imunossupressor) e dos outros medicamentos, com um cansaço geral difícil de debelar sem grande repouso e, ainda, com um cansaço psicológico enorme, devido à perda súbita de audição, à paragem forçada a nível laboral e um nada «dolce far niente». Recordo o calor desses dias, o já não saber bem o que fazer, depois de dezenas de livros e revistas devorados sôfregamente, depois de toneladas de palavras cruzadas, depois de horas e horas a ver filmes e séries legendadas, depois de horas e horas de pesquisa na Net sobre a doença, sobre associações de surdos, de deficientes auditivos e de mil e um assuntos que surgiam do nada... e a decisão de tentar fazer um blogue «para ver se me entretenho»!

 

Um ano depois, o balanço inevitável e as conclusões:

 

1.Mais uma vez a negrito, o Síndrome de Cogan não é uma doença fácil de suportar - bom, haverá doenças fáceis de suportar?

Para já, é desconhecida de muita gente, incluindo médicos das especialidades que com ela lidam   - otorrinos, oftalmologistas e reumatologistas (porque a doença -e os medicamentos que se tomam para a controlar -  podem, eventualmente, ter consequências a nível articulatório e dos ossos; porque, sendo uma doença autoimune, como a esclerose múltipla, como o lúpus e como  a artrite reumatóide, a regulação da medicação é feita pelos reumatologistas).

Sendo uma doença rara, só se conhece um tratamento (para controlar a doença e tentar evitar a repetição frequente de crises) que pode ou não ser eficaz, dependendo do tempo que medeia entre os primeiros sintomas e o diagnóstico, dependendo de cada organismo e da sua reacção à cortisona e aos imunossupressores, dependendo sabe-se lá do quê mais!... É através do contacto com diversos doentes e da análise da reacção aos mediamentos que se vai construindo o conhecimento sobre como ir tratando cada um; e nisto, como em tudo, os pioneiros passam por situações muito mais complicadas, quem vem depois beneficia não da desgraça do anterior, mas do conhecimento que os médicos possam ter adquirido com ele.

Depois porque, se a perda auditiva não for muito grande (o que é uma situação atípica!) ou for compensada de modo eficaz com próteses retroauriculares (ou implante coclear, nos casos de surdez severa a profunda, desde que reunidas condições específicas!), é uma doença praticamente invisível para os outros.

Como explicar a alguém que não conhece esta doença nem convive de perto com alguém com uma doença autoimune, que o problema não é só a audição, nem a visão (normalmente é mais fácil de controlar estas afecções- queratites ou uveítes- que a perda de audição), que esta é uma doença sistémica ou seja, que afecta todo o organismo, podendo haver outros órgãos atingidos, ou pela doença ou pelo seu tratamento (coração, pulmões, fígado, rins, ossos...) e que o cansaço que qualquer  esforço físico provoca não se resolve com uma sesta de 20 minutos? Como fazer ver que o cansaço físico e o stress podem provocar maiores dificuldades auditivas? Como mostrar que passamos a depender muito mais da atenção visual na comunicação com os outros, o que nos cansa imenso?

O que fazer quando nos dizem «ah, pelo menos não tens dores!», quando as articulações se queixam todas e as contracturas musculares começam a ser frequentes? Como reagir quando exclamam «...mas estás com óptimo aspecto!»? Pudera, redondinhos da cortisona!!! Como diz uma amiga minha «não é do aspecto que eu me queixo!!!».

Se reagimos e tentamos continuar o nosso caminho ou descobrir outro, não chorando desgraças, evitando o rótulo de «coitadinho», arrancando às entranhas as forças que desconhecíamos é porque «não estás assim tão mal!», segundo algumas almas. Se encontramos alguém que nos conhecia antes, levamos com o relatório todo das doenças e dos sintomas desse alguém que começa, inevitavelmente pelo «sabes, ultimamente parece-me que também não ando a ouvir bem!».

Se nos lamentamos, nem que seja só um pouquito, toma lá o «olha, tens de pensar que há gente muito pior que tu!», como se nós não o soubéssemos, sabendo também que, por muita empatia que se tenha pelos outros, no dia-a-dia vivemos é com os nossos problemas e as nossas limitações, não com os dos outros.

Quando pedimos a alguém para repetir o que disse, porque ouvimos mas não compreendemos (porque discriminamos mal determinados sons, porque demoramos mais tempo a reconhecer as palavras que constituem o discurso do interlocutor, porque há ruído de fundo, porque a pessoa não olha de frente para nós e impossibilita  a leitura labial, porque mudou de assunto sem avisar, porque utilizou palavras em inglês ou noutra língua, porque falou depressa de mais, porque... sei lá às vezes porquê!), lá aparece às vezes o «então, mas não tens as próteses postas?», como se o modo como ouvimos com elas fosse igual ao de antigamente, na «era pré-Cogan»!

Como responder a alguém que nos diz «deixa lá, não faz mal não teres ouvido, não tinha importância nenhuma!»? Que sim, que tem importância e muita, porque nos sentimos excluídos e porque parece que não têm paciência para nós?

Bom, e quando teimam em explicar-nos detalhadamente a situação mais banal,ou um texto, ou um filme, como se, de repente, a par da audição também o cérebro tivesse diminuído? E quando nos gritam ao ouvido a pensar que nos ajudam, sem saberem que dificultam ainda mais a compreensão do que é dito, para além de «ferirem» os nossos ouvidos? E quando falam «a-ssim,de-va-ga-ri-nho, pa-ra-per-ce-be-res-tudo» ou mexendo exageradamente os lábios e fazendo gestos desenfreadamente? E quando teimam em contar-nos segredos ao ouvido, esquecendo que o microfone da prótese está mais acima e que assim não dá porque não captamos o som?

A lista vai longa e o Muro das Lamentações não é aqui, mas sei que isto pode ajudar aqueles que rodeiam os «Coganitos» e todos aqueles que têm problemas de audição, porque se para nós o recomeçar não é fácil, também não o é para os nossos familiares e para os nossos amigos. Muitas vezes eles não sabem bem como ajudar-nos sem nos tratarem com condescendência, sem nos irritarem, sem nos tratarem como «doentinhos» e, muitas vezes, nós não sabemos como explicar o que se passa e do que precisamos até porque nós próprios, às vezes, também ainda não sabemos!

 

2.E continuando o balanço a partir do último parágrafo acho que consegui cumprir o objectivo de divulgar alguma informação sobre a doença e sobre a maneira como lido com ela. Relendo os posts escritos neste ano verifico que, contudo, à medida que o tempo foi passando e que uma nova rotina se instalou na minha vida, têm sido menos as chamadas de atenção para a doença e para os problemas de audição do que no início. Não é que tenha esquecido a doença ou esse meu propósito, pelo contrário! O que acontece é que já são dois anos de caminho e, felizmente, encontro-me agora numa situação diferente daquela em que estava quando iniciei o blogue: a doença, por enquanto e desde há alguns meses parece estar controlada, com poucas flutuações auditivas e já de pequena amplitude, e recuperei alguma energia física; psicologicamente também há alguma estabilidade, não só pela melhoria a nível físico, mas também porque consegui estabelecer alguns objectivos relacionados com a parte profissional (ainda em stand-by) e tenho conseguido, aos poucos, atingir a maior parte desses objectivos. Energia gera energia e felicidade gera felicidade, certo?

Outro objectivo era tentar exprimir o que sentia e acho que também tenho conseguido fazê-lo, embora nem sempre de forma directa. Os posts são, agora normalmente mais longos e, muitas vezes sem o recurso às palavras de outros, embora continue a postar poesia e frases que me dizem algo; desde que descobri como colocar vídeos, ei-los visita assídua, muitas vezes dando o mote ou ilustrando as reflexões; a música encheu este blogue, tal como sempre encheu a minha vida, mas agora transbordou para a escrita, porque comecei a enfrentar o receio de ouvir música e de não a perceber. Descobri que a memória auditiva não se apaga de repente e que, embora de outro modo, consigo ouvir música, dependendo das alturas e da música, claro!

Consegui ainda, com este blogue, conhecer outras pessoas com doenças crónicas e não só, que demostram uma coragem de guerreiras na busca de uma vida mais feliz, e outras pessoas também com dificuldades auditivas, mas não decorrentes da mesma doença, outros sem doenças, e perceber um pouco como são as suas lutas, as conquistas, as perdas, as emoções... tudo aquilo que as torna iguais a mim:somos seres humanos, sem «vidas a direito», cada um com os seus problemas e as suas contrariedades, mas sempre a tentar continuar a caminhar!

 

3.Parabéns ao blogue... e a mim!!!

 

4.E não é que a vida, «apesar dos pesares», pode mesmo ser maravilhosa?

 

 

VITORIOSA

 

Quero sua risada mais gostosa
Esse seu jeito de achar
Que a vida pode ser maravilhosa

Quero sua alegria escandalosa
Vitoriosa por não ter
Vergonha de aprender como se goza

Quero toda sua pouca castidade
Quero toda sua louca liberdade
Quero toda essa vontade
De passar dos seus limites
E ir além,

E ir além...

Quero sua risada mais gostosa
Esse seu jeito de achar
Que a vida pode ser maravilhosa

Que a vida pode ser maravilhosa...

 

Letra e música de Ivan Lins

 

 

 

(não sei se são os meus ouvidos, se os anos do Ivan Lins, mas já ouvi outras versões melhores desta canção, na voz dele, na da Simone, e até uma versão cantada em conjunto! ...mas foi o que consegui arranjar!)

 

Rabiscado por... misal às 18:01
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Quinta-feira, 5 de Junho de 2008

Emoções... in ou out?

 

Ao que consta, pela leitura de um comentário ao post «mulheres, filmes e lágrimas» e de posts de outros blogs, pelo que oiço (ainda vou ouvindo umas coisitas, apesar da surdez!) e vejo, parece que a expressão das emoções e o falar sobre elas está (continua?) completamente out. Emocionarmo-nos com uma situação que presenciamos, com uma cena de um filme, com uma melodia, com um poema, com o gesto de alguém, parece que é considerado por muitos como pieguice e sinal de fraqueza.

Se assim é, sou assumidamente piegas... e com muito gosto! No entanto, não considero sinal de fraqueza o sentir-me tocada por uma palavra, por uma canção, por algo que acontece, mas sim uma conquista, num mundo em que parece não haver grande lugar para as emoções e para os afectos e, muito menos, para os mostrar e falar sobre eles.

É para mim, de facto,  uma conquista relativamente recente e ainda não alargada a todos aqueles com quem convivo, o falar sobre o que sinto e o não ter pudor em mostrá-lo. Chorar de alegria ao ver alguém atingir um objectivo, emocionar-me com um espectáculo a que assisto, ficar completamente «ranhosa» a assistir a um daqueles programas da Oprah, seria completamente impensável, ou melhor, seria inadmissível há uns anos atrás, porque a questão essencial parece-me realmente esta: não são muitas vezes as emoções o tabu, tabu é mostrá-las aos outros e assumi-las perante nós mesmos, numa visão completamente redutora do ser humano.

Não é só o nosso corpo que faz de nós aquilo que somos; não é apenas o pensamento e a razão que nos constroem enquanto entidade única; sem a capacidade de sentir e de partilhar o que sentimos com os outros, não somos seres verdadeiramente completos. É no toque, no gesto de carinho, no abraço de amizade, no riso, no piscar de olhos cúmplice, no choro, na comunicação pelo olhar, mas também na fala (e na comunicação oral, no caso das línguas  visuais, como a Língua Gestual) e na troca de ideias que nos constituímos enquanto seres humanos. Porquê, então, a recusa em mostrar que somos de carne e osso, como todos os outros com quem partilhamos a vida neste planeta? Por vergonha, por medo, por preconceito, por defeito de educação? Libertemo-nos dessas amarras inúteis que condicionam a nossa vida, que nos impedem de mostrar aos outros quem somos verdadeiramente e corramos o risco de sermos autênticos!

 

E a propósito... Roy Orbison e a canção Crying:

 

 

Rabiscado por... misal às 12:12
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Nada sobre mim

Procurar agulha em palheiro...

 

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